Na semana dos meus 27 anos, tive a melhor prenda que me podiam ter dado. Não foi o 1/2 litro de perfume da Hugo Boss (preparem-se, mulheres!), nem a camisola azul que não me servia (a minha mãe bem diz que tenho que engordar), nem o cheque da Fnac que ainda há-de chegar (e já tem Arctic Monkeys escrito na parte de trás). No entanto, e apesar de ter gostado das prendas materiais - no caso da camisola, gostei da intenção -, o mês de Fevereiro de 2006 vai ficar marcado não por objectos, mas pelas recordações da visita de médico de dois dias à Invicta só (só?!) para ver Bauhaus.
As 8 horas a abanar no comboio e a ver lá fora todas as tabuletas de todas as terrinhas e todas aldeolas, porque a função pública não chega para pagar o Alfa-Pendular;
A senhora cega que nos vendeu os pré-comprados no quiosque à saída da Campanhã, que fez os trocos impecavelmente na sua escuridão da 1 da tarde e a quem perguntei "O que é que há por aqui giro para ver?";
O motorista do 207, que se virou para trás no meio da viagem a berrar "Onde é q'está o senhôre que bai para o Coliseue?";
O nosso quarto, com janelas redondas de onde quase se podia tocar no S e no E que, misturados com mais 5 neons, marcaram o ponto de encontro daquela noite;
Os olhos e o sorriso da rapariga da recepção;
Os colares de cleópatra e as respectivas Nefertitis;
Os doces turcos vindos da Turquia e que afinal se vendem ao pé do Lux;
A francesinha enfiada à pressa antes das 21.30 e que durou a noite inteira;
Um tipo sul-africano maluco que se juntou a nós mesmo a tempo do concerto e passou a fazer parte do grupo;
A Música, as máscaras, o cabedal e a ganga preta, a voz, aquela Voz vinda de um Céu que não é o da Biblia, a corda pendurada da parede, os ritmos diabólicos e densos de um Inferno bem real, os colares com espigões de ferro de 10 centímetros (bastante úteis contra tentativas de estrangulamento), uma multidão de (in)fiéis a cantar em uníssono todas as passagens de um Livro já antigo, a descoberta de que um dos roadies era espanhol, como nós;
O vinho tinto alentejano de 2002 e o caldo verde com broa do Capa Negra;
As horas no Swing, sem troca de pares mas com perda de fluidos ao som de Sisters of Mercy, Bauahus, Cure e NIN;
Mais colares de picos;
As viagens de 5 kilómetros a pé às 5 da manhã;
O pequeno-almoço no quarto sem pagar mais por isso (foi preciso ir ao Porto para comer croissants na cama!);
As fotografias malucas;
O banho de água fria, o atraso a sair do quarto e a cara de poucos amigos da rapariga da recepção;
A escolha da pulseira debaixo de um dilúvio instantâneo, antes do restaurante italiano e de um "oops!.." envergonhado;
O stress dos transportes para voltar, o tic-tac do relógio debaixo de outro dilúvio instantâneo e o taxista que saiu da farmácia, mesmo ali à nossa frente;
E a sensação de estar de férias e ter outra vez 18 anos, mesmo que só por um dia, com a mochila às costas e uma vontade incrível de aproveitar cada segundo daquelas horas.
É verdade, esta foi a melhor prenda que recebi nos meus 27 anos - perceber que a vida continua a ser excitante e imprevisível. Obrigado, Nefertitis e Marcus com U. Nem foi preciso embrulhar...