quinta-feira, dezembro 02, 2004

Enfim livres!...

"És livre de fazer o que quiseres, embora a tua consciência não te permita disfrutar em pleno dos teus actos..."

Esta é uma frase que perdura numa porta de uma qualquer casa de banho pública. Feminina, pois claro, porque os homens nestas coisas, apesar de também conseguirem apelar à reflexão fazem-no geralmente de forma mais narcísica (e.g., "Aqui cagou Deus"), se bem que o mais usual seja a partilha de pensamentos e emoções em bruto (e.g., "Dragões e lampiões, são todos uns cabrões!").
Eu não sei se todas as frases que pincelam as casas de banho femininas são do mesmo calibre da que inspirou esta prosa; o facto é que aquela encerra uma grande verdade e reflecte aquilo que nos impede a nós, seres humanos, de sermos uns selvagens sanguinários e sem remorsos. Ou, pelo menos, de o sermos todos...
Imaginemos, então, que não tinhamos consciência: não havia censura interna, nem regras ou proibições ou normas que nos guiassem o comportamento e controlassem os impulsos. Porque o homem é um animal de emoções e motivações nem sempre racionais, nem sempre altruístas, muitas vezes destrutivas e quase sempre narcísicas. Porque o instinto de sobrevivência existe e é forte, porque a necessidade de segurança pode ser satisfeita mais directamente e facilmente (...) através da violência, da força e da demonstração gratuita de poder. E quantos de nós, não fossem as vozinhas na nossa cabeça, não agiríamos muitas vezes como selvagens? Para quê trabalhar, se podemos roubar os fracos e viver melhor e com menos esforço do que trabalhando? Para quê amar e partilhar, se podemos forçar o contacto físico e evitar as desilusões e desgostos? Para quê cuidar e educar, se podemos largar os nossos fardos na rua e aproveitar os prazeres da vida sem responsabilidades de qualquer espécie? Para quê a ordem e a lei, se a ordem e a lei restringem a nossa pessoa e a nossa autonomia?
Sim, realmente é mais fácil não ter consciência. Quem estiver conosco é bem vindo, quem não estiver sofre as consequências. E tudo o que fizermos está à partida validado, porque reflecte a nossa pessoa. Os valores e respeito pelo outro não são necessários num mundo que gira à volta do poder, seja ele económico, político ou pessoal. E em que as guerras surgem como a panaceia para todos os males, qual penicilina dos tempos modernos.
Somos, enfim, livres de fazer aquilo que queremos. Infelizmente para muitos, alguns não têm consciência daquilo que fazem.