quarta-feira, setembro 22, 2004

Bolas de berlim

Uns fazem propaganda anti-Bush, outros fazem campanha anti-aborto - eu faço propaganda anti-Hollywood. É que, com os bilhetes a cinco euros, cada vez é mais frequente sair do cinema com uma sensação estranha, misto entre azia e indignação, tal é a qualidade dos pseudo-filmes produzidos aos magotes pela Máquina Americana.
A última bola-de-berlim (gordurosa, açucarada e sem qualquer valor nutritivo) comi-a ontem, quando aproveitei o convite de um amigo e a promoção da Yorn para ver a última aventura do canastrão Will Smith no high-tech "I, Robot". A azia foi total.
Tudo no filme foi para mim uma desilusão: o argumento infantil, com diálogos mais básicos que os da saudosa Rita Catita com os seus bonecos de peluche; a falta de originalidade da narrativa que, partindo da ideia clássica da emancipação das máquinas, assenta numa estrutura básica e em pormenores que remetem directamente para filmes como Terminator ou Matrix; a interpretação (?) dos actores, especialmente do "sócio" Will Smith que deve ter estudado durante meses a postura do pessoal do Vale da Amoreira para conseguir aquele andar "cool" e a pose de durão-palhaço; e o sequenciamento do filme recorrendo à velha técnica académica do copy-paste, tentando compensar a pobreza do texto com cenas de acção de encher o olho e misturando as duas partes de forma desproporcionada e alarve. É um facto que todos nós já fizemos trabalhos para a escola em que, levados pelo desespero, pelo sono e pela falta de pachorra, cortámos daqui e dali para juntarmos mais à frente, adicionando uma série de imagens giras para quebrar a monotonia, disfarçar a falta de criatividade e encher chouriço de modo a atingir o número de páginas exigidas pelos professores. Tal como no filme, e salvo raras excepções, a nota final nunca é muito boa.
A preocupação e exigência em termos da qualidade das interpretações foi tão baixa que o melhor actor acaba mesmo por ser Sonny, o robô do título, que na segunda metade do filme arrasa o "sócio" do Vale por K.O técnico - tem mais carisma, é mais humano (a ironia suprema!), é mais forte e "representa" melhor. Assim até se percebe porque é que o filme se chama "I, Robot". Por outro lado, a actriz principal também não se safa mal, embora por outras razões...
Pessoalmente, já estou farto de ser tomado por estúpido por realizadores que tentam vender a ideia de que um bom filme = avalanche de efeitos especiais, e não percebo como é que se gasta tanto dinheiro em filmes perfeitamente fúteis e sem qualidade. Oiço falar em 100 milhões de dólares de orçamento e sinto a cabeça a girar. 20 milhões de contos gastos numa enorme bola de berlim que demora hora e meia a comer e no fim deixa apenas azia, que se transforma em revolta sempre que vejo no telejornal pessoas a morrerem de fome porque não têm dinheiro para comprar pão.
Aqui assumo também a minha responsabilidade, já que continuo a alimentar a Besta e os valores perversos da sociedade actual de que faço parte. Porque nenhum filme - incluindo os que fazem pensar e chorar - vale 100 milhões de dólares neste mundo caótico que é o nosso.

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Remeto-me ao final, para além de chorar ou pensar, um bom filme deverá levar-nos à acção. Agir em função da mudança, rumo ao bem-estar.
Há filmes deslumbrantes, que tal como Amélie, o desejo e curiosidade de ver a expressão de quem está à nossa frente, ao lado, seja tão mais caricata e emocionante que a nossa... procurar no outro o reflexo da nossa própria admiração e encanto, pelo que presenciamos e sentimos.
As mensagens que conduzem o pensamento, vão eternizar aquele filme e também nós seremos diferentes...
Recordo "O Piano", expressão doce, o olhar único, o som, a fatalidade, a paixão...
Confesso a minha enorme dificuldade em actualmente gostar do enredo de um filme, satura-me a banalidade, a falta de emoção e aumento do sensacional. Tento lembrar-me do último filme que vi e que gostei... estou com algumas dificuldades (talvez pelo cansaço de uma 6ª feira), mas talvez não, talvez seja mesmo verdade! Vou ter calma e encontrarei!

Mas há uma coisa que sei, a simplicidade fascina-me!
Da Pig

9:33 da tarde  

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