quarta-feira, setembro 08, 2004

O carcereiro universal

Hoje cheguei a casa e tive uma revelação.
Não, não me apareceu a Nossa Senhora a pedir para limpar o quarto. Apenas me apercebi de que a minha vida está condicionada. E fiquei angustiado.
Passo a explicar: assim que entrei no quarto, abri a mala e pus o telemóvel a carregar (as famosas baterias da Siemens voltaram a atacar). Sem conseguir evitar uma estranha sensação de alívio por estar novamente contactável, voltei a abrir a mala e tirei de lá o meu discman, objecto de adoração deste melómano inveterado. Depois de ligar o meu escape terreno à electricidade, na tentativa de recarregar as baterias estafadas por mais um dia recheado de ritmos alucinados e melodias sonhadoras, voltei-me para a caixa mágica e carreguei no "on". E foi então que vi a Luz.
Ao olhar para aquela luz vermelha, intensa e brilhante, apercebi-me de que não sou livre. Imóvel, senti no bolso o troco dos cinco euros de gasóleo que me possibilitaram voltar para casa, ao mesmo tempo que o meu corpo cansado reclamava comida para afastar aquela dor de cabeça grave e contínua. Lentamente, voltei o olhar para os holofotes que tenho no tecto e depois para as luzes da cozinha; mais 180º e observo o mundo através das cortinas, um mundo que brilha apesar do relógio no meu pulso marcar 21.42h.
ENERGIA. É esse o nome do meu Carcereiro.
Dependo dele para viver. Sem ele não teria música e não poderia sonhar com mundos para lá deste. Não poderia falar com as pessoas que estão perto do coração, mas longe da vista. Sem ele não poderia ver o que se passa no Mundo Real e reduzir os meus “problemas” à sua real insignificância. Não poderia esticar os dias para lá do pôr-do-sol, acelerar nas auto-estradas ou rasgar as águas do Tejo, qual Moisés do séc XXI. Não poderia grelhar bifes, tomar banho de água quente ou sequer ter a ilusão de controlar o Tempo, outro grande Carcereiro...
Sou, portanto, escravo da Energia.
Ela controla tudo o que faço, e tudo o que faço depende dela. Porque a Energia não é apenas electricidade, petróleo ou chama, mas também é comida, afecto e luz, o que faz com que todos nós - ricos e pobres, ocidentais e orientais, brancos e pretos, homens e mulheres - estejamos nas suas mãos.